domingo, 13 de julho de 2014

Sobre o abraço

    Já parou para pensar em quantas palavras cabem num abraço? Quantos beijos podem ser trocados sem sequer as bocas se tocarem, apenas através do pulsar do coração quente contra outro peito no mesmo ritmo?

    Existe uma crônica do Mário Prata onde o autor arrisca dizer que o abraço surgiu na Itália, como forma da máfia italiana "apalpar" o inimigo para se certificar que o mesmo não dispunha de nenhuma arma em seu corpo. A crônica menciona também o fato curioso de os japoneses dificilmente abraçarem alguém, e afirma ser cultural: lá, o espadachim estava sempre à vista, então eles se curvavam para baixo para ver até onde ia a adaga.

    O Brasil é conhecido mundialmente por ser um país onde as pessoas são calorosas e receptivas, e onde é social e culturalmente aceito abraçar em público e demonstrar carinho por quem gostamos; entretanto, esse predicado não funciona da mesma forma quando analisamos outras culturas. Os americanos, por exemplo, acham o cúmulo abraçar e beijar alguém em público. Para eles, o beijo e o abraço são demonstrações muito íntimas de afeto e não devem ser feitas sob os olhos das outras pessoas, e quando abraçam um amigo, o carinho se resume a três míseros tapinhas nas costas; por outro lado, consideram perfeitamente normal simular sexo no meio da pista de dança ou ter relações sexuais com alguém que acabaram de conhecer.
Os japoneses são ainda mais frios: dificilmente abraçam seus pais e familiares, e não costumam demonstrar carinho pelos amigos ou entes queridos. Com os árabes, a situação fica ainda pior: se você é homem, nem ouse tentar apertar a mão de uma muçulmana: além de deixá-la muito constrangida, se a tentativa de aperto de mão vir acompanhada de um contato visual direto, você será considerado extremamente desrespeitoso.

   Pesquisadores afirmam que abraçar alguém que você gosta alivia o estresse e a ansiedade. Não precisa ter estudado em Harvard ou pesquisado durante anos para comprovar por experiência própria que os resultados da pesquisa são condizentes. Pelo menos pra mim.

    Depois de conviver um pouquinho com cada cultura aqui nos Estados Unidos posso afirmar que fico muito feliz de ter nascido brasileira, com liberdade e aceitação social para poder abraçar quem, como e onde eu quiser. Não consigo imaginar a minha vida sem abraços. Provavelmente eu ficaria doente. Seria uma pessoa apática e menos feliz.

   Eu gosto de abraço, mas não é qualquer abraço; é aquele que envolve o corpo e a alma; aquele abraço que você consegue medir a temperatura do corpo da outra pessoa, só no tocar; é aquele abraço que você sente o coração do outro bater contra o seu, até o ponto em que ambos começam a bater no mesmo ritmo e vocês passam a ser um só. Porque abraço é isso: uma união de tristezas, incertezas, alegrias e desabafos; é você preencher as lacunas da sua alma e parar o mundo por alguns segundos; deixar de ser você e passar a ser uma mistura de braços, dedos, calores, perfumes, respirações.

    Costumo dizer que não confio em quem não me olha nos olhos, mas que confio menos ainda em quem não me abraça apertado. O abraço para valer a pena tem que ser forte, te deixar sem palavras, te faltar a respiração.

Já dizia Fabrício Carpinejar:

"(...) Abraço tem que ter pegada, jeito, curva. Aperto suave, que pode virar colo. Alento tenso, que pode virar despedida.

É pelo abraço que testo o caráter do outro. Não confio em quem logo dá tapinhas nas costas. A rapidez dos toques indica a maldade da criatura.

Não sou porta para bater. Nem madeira para espantar azar.
Abraço com toquinho é hipócrita. É abraço de Judas. De traidor. O sujeito mal encosta a pele e quer se afastar. Pede espaço porque não suporta os pecados dos pensamentos (...)"           Nesse caso, sou toda ele. E digo mais: pobre dos que não abraçam: estão morrendo aos poucos e perdendo sua essência. 

Diferenças culturais à parte, o abraço ainda é algo intraduzível. É a língua que mais diz sem dizer nada, seja aqui ou em qualquer lugar do mundo. É uma liberdade compartilhada, onde fugimos de nós mesmos e das nossas opressões. Mas é uma liberdade que prende, que sufoca de forma boa, de forma leve, que afaga.


Antes na prisão livre do abraço do que na liberdade presa que impede de abraçar.











sábado, 5 de julho de 2014

Verões

Verão no Brasil é engraçado.
Existe uma crônica do Luis Fernando Veríssimo que é simplesmente genial: descreve exatamente como são os dias à beira-mar da população de classe média baixa no Brasil, no auge do verão. Me identifiquei muito, e o texto sempre me arranca risos.
Eu nasci no Rio Grande do Sul, onde a água é congelante, o vento despenteia qualquer tipo de cabelo (o famoso "nordestão") e as pessoas vão à praia religiosamente todo santo verão (que é a única época do ano onde faz sol de verdade e dá pra entrar na água sem sair com hipotermia). O mar no Rio Grande do Sul é escuro, efeito de uma proliferação de algas na região - o que acaba tornando as praias gaúchas nem um pouco atrativas.
Outro aspecto do verão no sul é o calor infernal. E quando digo infernal, não estou exagerando. Não é um calor gostoso, um sol que aquece e conforta; é um sol que quer que você tenha queimaduras de terceiro grau. É um sol cruel, que deixa os menos desprovidos de melanina vermelhos igual a um camarão.
Viver a rotina de trabalhador/estudante no verão é complicado. Ainda mais se necessitarmos do transporte público, que além de viver lotado e não ter ar-condicionado, faz você ter a real sensação do que é estar no inferno. Pergunte aos gaúchos: é uma miscelânea de odores de todos os tipos e intensidades, que te faz querer descer três paradas antes da sua, só para não regurgitar dentro do ônibus e piorar ainda mais a situação.
Outro fato peculiar do verão no sul é o nosso chimarrão no parque. A sensação térmica é de aproximadamente 50 graus, e a água do chimarrão é quente. "Pelando". Como conseguimos? Boa pergunta. É um hábito que eu gosto bastante: reunir os amigos no Parque da Redenção para conversar e tomar chimarrão, até queimar o estômago.
Estou nos Estados Unidos há pouco mais de duas semanas, na agradável cidade de Portland, no oeste do país. Eu cheguei e trouxe o verão, mas posso dizer que estou me surpreendendo. Apesar do estado do Oregon ter a fama de ser um local com um clima chuvoso e desagradável, viver aqui está me fazendo gostar do sol e do calor.
Primeiramente, a cidade é cheia de parques, de todos os tipos e tamanhos. E flores. E fontes. E parques. E mais fontes.
O calor daqui é um calor seco, porém agradável: dá vontade de sair por ai com o sol no rosto, admirando o desenho que as nuvens formam no céu; dá vontade de deitar na grama e só levantar quando sol se põe - que, para minha alegria, é tarde pra caramba; dá vontade de não ficar em casa, mesmo com tantos homeworks e houseworks para serem feitos.
O sistema de transporte de Portland é invejável. A cidade tem uma ótima infraestrutura e as bicicletas dominam as ruas. É muito acessível se locomover de um canto a outro, e dificilmente os transportes públicos estão lotados, com pessoas saindo pela janela. Além disso, todos têm ar-condicionado e bancos confortáveis. Já a questão dos odores... Acho que é um assunto a ser tratado a nível mundial.
No momento estou num relacionamento sério com o verão de Portland. Com o clima de Portland. Com os lugares de Portland.
Tenho medo do que vai ser de mim quando for a hora de voltar pra casa: chegar no aeroporto, pegar o aeromóvel até o trem, onde com certeza não terei lugar para sentar e ficarei tentando me equilibrar com o peso de duas malas e aguentar o sutil calor de setembro que te faz querer desesperadamente voltar para junho. Mas tudo tem seu lado bom: já estarei pronta novamente pra roda de chimarrão na Redenção, rodeada dos amigos que eu tanto sinto falta. Nesse caso, o calor infernal desempenha habilmente seu papel de unir as pessoas que compartilham das mesmas opiniões sobre o nosso verão, as que mesmo assim não deixam de se banhar nas águas marrons de Cidreira depois de horas dentro de um ônibus capenga.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Solidão

Sinto que estou adoecendo,
deve ser do coração
sinto nada e sinto tudo:
sintomas de solidão

Um estar junto e estar só
Uma procura sem sucesso
As vozes ao redor, sem sentido
No meu peito, vazio, fazem eco

Vou juntando meus pedaços
e tentando me encaixar
nada mais tem importância
Só preciso me curar

Estou tentando me encontrar
de novo a cada amanhecer
Mas como vou me encontrar
Se o que eu quero é me perder?