segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A verdade sobre a verdade

     

        Ninguém gosta de ouvir a verdade. Todos clamam por sinceridade mas poucos sabem lidar com a nudez dos fatos, quando transbordam imparcialidade e agem como um tapa na nossa cara. "Quero um amor sincero", "quero honestidade", "a verdade machuca por um momento, mas a mentira machuca por toda a vida". Pura lorota. Mulher sabe que está gorda mas pergunta para ter a certeza. As amigas geralmente a confortam explicando que quem gosta de osso é cachorro e que ela está ótima, com uma aparência saudável. Já o marido quando não mente descaradamente dizendo que prefere ela à qualquer modelo sem graça, usa de eufemismos - erroneamente. "Fofinha", "gostosinha". Ela perguntou se estava gorda e a falta de habilidade do homem a fez ter a plena certeza (coisa que ela já tinha, mas estava esperando por uma massagem no ego). "Entra pra academia, sua balofa!". Nunca ouvi um homem dizer isso, sabe por quê? Porque a verdade machuca, mulher é bicho complicado e homem nenhum gosta de dormir no sofá. Temos o vício de perguntar quando já sabemos a resposta. Levantamos a bandeira da honestidade mas não temos maturidade para aceitar críticas e acabamos agindo da mesma forma quando nos pedem um conselho. Geralmente tentamos atenuar nossa fria opinião, afinal, pelo menos uma vez na vida já sentimos na carne como a verdade se comporta e o que ela causa no nosso íntimo. A clareza das ideias dá lugar a uma opinião confortável e menos impactante. Não queremos ferir, tampouco sofrer. Aí o mundo segue esse ciclo de dissimulação e omissões. 

      Eu tenho uma relação de amor e ódio com a verdade. Dia desses um amigo árabe que mora no Líbano disse que eu havia engordado depois que mudei para os Estados Unidos, que as fotos denunciavam centímetros a mais de abdômen e bochechas mais salientes. Na hora fiquei perplexa, mas foi ótimo, um choque de realidade. No entanto, não voltei pra academia e ando me entupindo de sorvete, porem encontrei uma solução mais eficaz para o meu problema com a balança: cortei relações com o árabe.

    Não queremos um amor sincero. Queremos uma pílula diária que eleve os nossos níveis de autoestima, um amigo que sempre concorde conosco e a omissão de opiniões que julgamos desnecessárias. Enquanto isso, devoramos nossas ilusões, nos empanturramos de insegurança e a vida segue, sem grandes surpresas.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Cartões

       Sempre quando ganho algum presente, mesmo que simbólico, fico procurando o cartão. E quando o cartão é entregue separadamente, fora da embalagem, é a primeira coisa que verifico. E julgo. Por exemplo, aqueles cartõezinhos comprados em papelaria ou loja de presentes por si só não costumam ser muito originais - e podem não significar absolutamente nada se quem comprou o cartão não adicionou suas felicitações escritas a próprio punho. Se o presente foi comprado com o dinheiro da vaquinha feita pelos colegas de trabalho, ok. É realmente difícil encontrar um cartão que comporte profundas reflexões e felicitações das cinquenta pessoas do escritório. Nesse caso, assinar o nome é suficiente. Por outro lado, amigos próximos, namorado e familiares tem o dever de escrever decentemente no bendito cartão. 

    Se o próprio cartão é feito a mão, seja com folha pautada ou sulfite branca, vou ao delírio: é a demonstração máxima que o remetente se importa e não hesitou em gastar algum tempo elaborando um discurso de amor e amizade, no mimo feito com as próprias mãos.
Levo tão a sério esse assunto que guardo até hoje todos os bilhetes, cartas e cartões que recebi ao longo da vida. Herança da minha mãe, que também sempre gostou de acumular sentimentos dentro de caixas, para lembrá-los de vez em quando. 

      Se tratando de presentes, prefiro dar do que receber. Acho uma delicia e de certa forma desafiador procurar aquele livro antigo de edição limitada, ou então elaborar aquele passeio com direito a um jantar no restaurante preferido do presenteado. Gosto de surpreender as pessoas através dos presentes. Me faz um bem tão grande olhar fixamente nos olhos brilhando e nas mãos apressadas desembrulhando o pacote... Chego ao ponto alto do meu bem-estar quando o olhar brilhante dá lugar a um olhar surpreso, emocionado, agradecido.
Ah, eu também nunca esqueço do cartão. E não me atenho em escrever apenas meu nome, pelo contrário: escrevo meu sobrenome, como nos conhecemos e se bobear até faço poema.
E quando as reações de surpresa e felicidade são estimuladas pelo meu cartão, ai eu vou aos céus.

Nem bondade nem amor ao próximo: apenas um puro e simples egoismo altruísta.