segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

É impossível ser feliz sozinho?

       


        Há quem só consiga ser feliz quando tem alguém para fazer planos de juntar as escovas de dente. Há quem sinta um desconforto inexplicável em fazer uma caminhada,  ir ao teatro ou até mesmo frequentar a academia desacompanhada. Há quem sinta uma dor descomunal - beirando à enfermidade - ao se pegar sozinha no fim de semana à noite, de pijamas e sem planos de bebedeiras épicas. Todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite, menos dormir antes das dez.
Há quem não suporte a ideia de fazer uma viagem sozinha, porque para a maioria dessas pessoas, felicidade é um combo que inclui muitos amigos e companhias inseparáveis - e um álbum de viagem com várias selfies de um rosto só é de muito mal gosto.

          Há quem sinta muito medo de envelhecer; não pelo aparecimento das inevitáveis rugas ou pela possível perda gradativa de memória, mas pela solidão que, muitas vezes, bate à porta de mãos dadas com todos os sinais que evidenciam que estamos mais perto do fim.
Há quem não consiga decidir que calça comprar se não tiver a opinião da mãe, do amigo ou de quem quer que seja. Há quem não veja motivos para abrir uma garrafa de cerveja e celebrar a vida se não estiver na presença da torcida do Flamengo inteira - com muita risada e música estourando os tímpanos, de preferência.

        Em 1967 o mestre Tom Jobim compunha a música "Wave" ou "Vou te contar". O sucesso foi interpretado por diversos artistas de renome, entre eles Elis Regina e Frank Sinatra. A música é linda, de uma leveza e poesia inenarrável (como todas as composições do Tom) e chama atenção para um trecho, em especial: "Fundamental é mesmo o amor/ é impossível ser feliz sozinho". Concordo que o amor seja fundamental e acredito que esse sentimento é o combustível essencial das nossas vidas. 

        Mais essencial que o amor em sua forma genérica, é o nosso amor-próprio, que está intimamente ligado ao prazer em estarmos na nossa própria companhia, e ponto. A dependência irrefreável de estar rodeado de pessoas o tempo todo pode ser tão perigoso quanto qualquer outra droga psicotrópica: a abstinência de gente pode levar à tristeza profunda e à banalização do viver. Contudo, o tratamento é simples e não tem contra-indicações: aceitar os pequenos momentos em que estamos completamente solitários e desfrutá-los com o mesmo prazer que desfrutaríamos de um almoço de domingo com a casa cheia. Importante lembrar que a palavra solidão tem interpretações ambíguas, podendo significar estar só dentro de um espaço físico ou sentindo-se com a alma solitária em meio a uma multidão.  Solidão nada tem a ver com a falta de pessoas ao nosso redor, e sim com um estado de espírito. 

     Não há nada de errado em gostar da muvuca, da algazarra, dos oito primos correndo pela casa em meio à repreensão da mãe, das quatrocentas pessoas se espremendo numa casa noturna onde cabe menos da metade ou da companhia de todos os seus amigos do facebook, juntos. É importante e saudável conviver com outras pessoas, se relacionar, sentir o calor humano; entretanto, não podemos fazer disso uma regra, pois só temos a perder, afinal, não sentir prazer na nossa própria companhia é uma afronta contra nossas próprias qualidades e virtudes. 

     O mestre Tom que me desculpe a audácia de lhe contrariar, mas é possível sim - e necessário - ser feliz sozinho. 



sábado, 10 de janeiro de 2015

Vox Populi


        Sempre me autoeduquei de forma a não dar importância à opinião alheia. Repetia um mantra já bem batidinho: "ninguém paga minhas contas, ninguém paga minhas contas, ninguém paga minhas contas". Pois bem. Meus pais pagaram as minhas contas durante muito tempo, e eu sentia um misto de gratidão e obrigação com relação a isso. Sempre dei satisfação da minha vida à ambos, porém nunca escondi minha personalidade forte, minhas vontades e desejos. Nunca tive papas na língua para discordar deles e expor meu ponto de vista. Há cinco anos não dependo mais de ajuda financeira deles, e por incrível que pareça, meus pais nunca foram os alvos do meu comportamento policiado, dos meus movimentos friamente calculados, da minha personalidade mascarada politicamente correta tentando aderir - forçadamente - à moral e aos bons costumes estabelecidos pela nossa sociedade hipócrita.
        Meu método de autoeducação às vezes falha, e eis que surge o "pensar duas vezes antes de falar", o "será que se eu sair só com homens vão dizer alguma coisa" ou o "ele nem é tão interessante e malhado, o que será que minhas amigas vão dizer?". Essa sociedade julgadora, composta basicamente pelos parentes, amigos, colegas, vizinhos e em alguns casos, pelos pais do namorado é silenciosa, porém cruel. Sua vida vira uma espécie de vitrine onde suas atitudes são expostas, criticadas, mal-faladas. As redes sociais são a prova viva disso. Se for mulher, experimente postar uma foto bebendo, no facebook. Você será tachada de piranha, fácil, bêbada. baladeira. Se for homem, experimente postar uma música da Lady Gaga. Logo, você é afeminado, homossexual, enrustido, ou apenas quer aparecer - isso também serve no caso em que a mulher posta uma foto bebendo.
         Para provar que sua família te deu uma bela educação, você evita falar sobre sua posição política com seus parentes que defendem o impeachment da presidenta e utilizam o velho jargão "bandido bom é bandido morto". Evita discutir sobre religião, porque o fato de você ser ateu ou agnóstico é uma heresia imperdoável contra essa família que te concedeu a benção do santo batismo e te obrigou gentilmente, com amor e carinho, a fazer dois anos de catequese para ter o privilégio de receber o corpo de cristo na comunhão. Ainda dói e incomoda falar abertamente sobre sexo, como se fosse um assunto desconhecido, inexplorado, proibido. Mulher não pode gostar de sexo, não pode conversar sobre isso com outros homens. É coisa de vadia, de rameira, de mulher da vida. Ironicamente, foi graças ao sexo que eu estou aqui, que você está aqui, que o amor da sua vida está aqui, neste mundo, agressores ou vitimas; críticos ou criticados.
Se eu ouvir pagode, vão achar que eu sou pagodeira. E pagode é um gênero musical de muito mal gosto, que apetece apenas aos ouvidos de pobre, preto, favelado ou aqueles que usam aqueles óculos espelhados.
       Se eu chorar em público, vão achar que eu sou louca, que sou depressiva, que briguei com o namorado, que acabo de vir de um enterro. Se eu namorar um cara feio, vão dizer que não sei escolher homem, como é que eu consigo beijar uma criatura dessas na boca. Se eu pintar meu cabelo de verde vão dizer que eu não vou arrumar emprego, que agora eu sou rebelde, que eu estou usando drogas, só pode. Se eu for a praia, vão reparar nos meus pneuzinhos, na minha celulite, no tamanho dos meus seios, nas coxas que roçam uma na outra quando caminho. Por que eu não vim de maiô? Eu deveria estar com um biquíni maior. Melhor: eu deveria ter ficado em casa.
      Sempre antes de escrever, meço cuidadosamente as palavras, evitando publicar um texto muito intimista, o qual as pessoas vão se dar conta que eu sou assim ou assado. Mas que importância isso tem? Essa sou eu, numa luta diária contra a opinião alheia. Brigando contra o politicamente correto e aprendendo a me permitir mais, suprimindo o peso do que vão pensar de mim. Trabalhando constantemente em agradar cada vez menos os amigos, os parentes, as mães dos amigos e os vizinhos e agradar cada vez a mim. Afinal, agora, quem paga minhas contas - e o preço por ser autêntica - sou eu










segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Manual do homem de verdade


        Homem não chora. Até chora, mas não pode demonstrar isso em público. Se o fruto do seu pranto for a morte de um parente próximo ou a derrota do time na final da Libertadores, aí sim, é aceitável. Emocionar-se com uma comédia romântica ou com uma apresentação de balé é questionável: coisa de boiola. Não gostar de futebol é no mínimo esquisito. Só está liberado não gostar de futebol se o homem gostar de Rugby, que é coisa de macho. Ou se gostar de qualquer tipo de jogo que não seja dominó. Jogar alguma coisa é muito importante para fazer parte do clã dos homens de verdade. 
       Homem tem que ter uma aparência máscula. Não precisa ter barriga tanquinho e bíceps malhados, afinal aquele abdômen saliente de cerveja é supermáscula. Beber é supermásculo. Homem que não bebe bom sujeito não é: só pode ser boiola.
           Homem não pode se depilar, nem tirar muito a barba, nem cuidar das unhas. Já viu homem de verdade fazer as unhas? No manual do macho, creme dental e sabonete comum estão liberados; loção para pele oleosa e creme para as mãos é de gosto questionável. Coisa de metrossexual. E metrossexual é um nome bonito que inventaram para designar o boiola enrustido. O homem não pode ir num salão de beleza mais famoso e pagar um pouco mais caro por um corte de cabelo. Homem de verdade vai no barbeiro, que é um ambiente muito másculo onde todos conversam sobre futebol e sobre a vizinha gostosa da rua de baixo.
          Homem chefe de família não pode ficar desempregado. Homem não pode depender da ajuda da mulher. O homem é o provedor, o macho Alpha que vai à luta, mata o bicho e alimenta as crias.
O homem é aquele que protege, mesmo que isso coloque em risco a sua própria integridade física. Homem não pode sentir medo. Homem de verdade é corajoso.
       O homem não pode se dar ao luxo de aceitar que sua namorada ou esposa se ofereça para pagar a conta do restaurante ou do motel, e sim estar a postos em frente ao caixa com o cartão de crédito em mãos. Mulher pode receber esse tipo de gentileza. Homem não. Isso o coloca em uma situação de submissão. 
       Homem de verdade não pode negar sexo, mesmo que ele tenha tido um dia estressante e que só queira tomar um banho quente e relaxar ao lado de sua parceira, vendo qualquer porcaria na televisão. Se o homem negar fogo, só pode ter duas explicações: ou está tendo um caso com outra ou se descobriu boiola. Mas adultério não justifica falta de apetite sexual. Sendo assim, há grandes chances de o problema ser sua sexualidade. Se o homem pedir fio-terra para a parceira, então... É inaceitável, mesmo que seja apenas por puro prazer e que tenha confidenciado esse gosto apenas à ela. Homem de verdade não pode sentir prazer anal. Isso é coisa de boiola.
       A sociedade costuma julgar o homem pela moda, acostume-se: camisa com gola V profunda e calça colada não pega bem. A bola da vez é o homem desleixado, com barba e bigode grandes e roupas que evidenciem sua displicência fashion. Estão chamando de lambersexual.
         Homem não pode gostar de música pop ou de frequentar boates GLS. Sair para curtir a noite gay só está liberado se isso significar pegar duas lésbicas gostosas no fim da noite. Caso contrário, é boiolagem. 
        Também não é legal demonstrar um carinho excessivo pelos amigos. Um abraço e três batidinhas nas costas como cumprimento está mais que bom. Mais que isso já é coisa de boiola.

          Ser feliz está proibido, bem como ser livre. É fácil e simples. Será uma honra tê-lo no clã dos homens de verdade. A sociedade está apostando todas as fichas em você, e nós acreditamos no seu potencial. Agora vá e conquiste o mundo! Mas não se empolgue muito, são apenas algumas dicas. Empolgação demais também é algo questionável: coisa de boiola.