sábado, 10 de janeiro de 2015

Vox Populi


        Sempre me autoeduquei de forma a não dar importância à opinião alheia. Repetia um mantra já bem batidinho: "ninguém paga minhas contas, ninguém paga minhas contas, ninguém paga minhas contas". Pois bem. Meus pais pagaram as minhas contas durante muito tempo, e eu sentia um misto de gratidão e obrigação com relação a isso. Sempre dei satisfação da minha vida à ambos, porém nunca escondi minha personalidade forte, minhas vontades e desejos. Nunca tive papas na língua para discordar deles e expor meu ponto de vista. Há cinco anos não dependo mais de ajuda financeira deles, e por incrível que pareça, meus pais nunca foram os alvos do meu comportamento policiado, dos meus movimentos friamente calculados, da minha personalidade mascarada politicamente correta tentando aderir - forçadamente - à moral e aos bons costumes estabelecidos pela nossa sociedade hipócrita.
        Meu método de autoeducação às vezes falha, e eis que surge o "pensar duas vezes antes de falar", o "será que se eu sair só com homens vão dizer alguma coisa" ou o "ele nem é tão interessante e malhado, o que será que minhas amigas vão dizer?". Essa sociedade julgadora, composta basicamente pelos parentes, amigos, colegas, vizinhos e em alguns casos, pelos pais do namorado é silenciosa, porém cruel. Sua vida vira uma espécie de vitrine onde suas atitudes são expostas, criticadas, mal-faladas. As redes sociais são a prova viva disso. Se for mulher, experimente postar uma foto bebendo, no facebook. Você será tachada de piranha, fácil, bêbada. baladeira. Se for homem, experimente postar uma música da Lady Gaga. Logo, você é afeminado, homossexual, enrustido, ou apenas quer aparecer - isso também serve no caso em que a mulher posta uma foto bebendo.
         Para provar que sua família te deu uma bela educação, você evita falar sobre sua posição política com seus parentes que defendem o impeachment da presidenta e utilizam o velho jargão "bandido bom é bandido morto". Evita discutir sobre religião, porque o fato de você ser ateu ou agnóstico é uma heresia imperdoável contra essa família que te concedeu a benção do santo batismo e te obrigou gentilmente, com amor e carinho, a fazer dois anos de catequese para ter o privilégio de receber o corpo de cristo na comunhão. Ainda dói e incomoda falar abertamente sobre sexo, como se fosse um assunto desconhecido, inexplorado, proibido. Mulher não pode gostar de sexo, não pode conversar sobre isso com outros homens. É coisa de vadia, de rameira, de mulher da vida. Ironicamente, foi graças ao sexo que eu estou aqui, que você está aqui, que o amor da sua vida está aqui, neste mundo, agressores ou vitimas; críticos ou criticados.
Se eu ouvir pagode, vão achar que eu sou pagodeira. E pagode é um gênero musical de muito mal gosto, que apetece apenas aos ouvidos de pobre, preto, favelado ou aqueles que usam aqueles óculos espelhados.
       Se eu chorar em público, vão achar que eu sou louca, que sou depressiva, que briguei com o namorado, que acabo de vir de um enterro. Se eu namorar um cara feio, vão dizer que não sei escolher homem, como é que eu consigo beijar uma criatura dessas na boca. Se eu pintar meu cabelo de verde vão dizer que eu não vou arrumar emprego, que agora eu sou rebelde, que eu estou usando drogas, só pode. Se eu for a praia, vão reparar nos meus pneuzinhos, na minha celulite, no tamanho dos meus seios, nas coxas que roçam uma na outra quando caminho. Por que eu não vim de maiô? Eu deveria estar com um biquíni maior. Melhor: eu deveria ter ficado em casa.
      Sempre antes de escrever, meço cuidadosamente as palavras, evitando publicar um texto muito intimista, o qual as pessoas vão se dar conta que eu sou assim ou assado. Mas que importância isso tem? Essa sou eu, numa luta diária contra a opinião alheia. Brigando contra o politicamente correto e aprendendo a me permitir mais, suprimindo o peso do que vão pensar de mim. Trabalhando constantemente em agradar cada vez menos os amigos, os parentes, as mães dos amigos e os vizinhos e agradar cada vez a mim. Afinal, agora, quem paga minhas contas - e o preço por ser autêntica - sou eu










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