sábado, 5 de julho de 2014

Verões

Verão no Brasil é engraçado.
Existe uma crônica do Luis Fernando Veríssimo que é simplesmente genial: descreve exatamente como são os dias à beira-mar da população de classe média baixa no Brasil, no auge do verão. Me identifiquei muito, e o texto sempre me arranca risos.
Eu nasci no Rio Grande do Sul, onde a água é congelante, o vento despenteia qualquer tipo de cabelo (o famoso "nordestão") e as pessoas vão à praia religiosamente todo santo verão (que é a única época do ano onde faz sol de verdade e dá pra entrar na água sem sair com hipotermia). O mar no Rio Grande do Sul é escuro, efeito de uma proliferação de algas na região - o que acaba tornando as praias gaúchas nem um pouco atrativas.
Outro aspecto do verão no sul é o calor infernal. E quando digo infernal, não estou exagerando. Não é um calor gostoso, um sol que aquece e conforta; é um sol que quer que você tenha queimaduras de terceiro grau. É um sol cruel, que deixa os menos desprovidos de melanina vermelhos igual a um camarão.
Viver a rotina de trabalhador/estudante no verão é complicado. Ainda mais se necessitarmos do transporte público, que além de viver lotado e não ter ar-condicionado, faz você ter a real sensação do que é estar no inferno. Pergunte aos gaúchos: é uma miscelânea de odores de todos os tipos e intensidades, que te faz querer descer três paradas antes da sua, só para não regurgitar dentro do ônibus e piorar ainda mais a situação.
Outro fato peculiar do verão no sul é o nosso chimarrão no parque. A sensação térmica é de aproximadamente 50 graus, e a água do chimarrão é quente. "Pelando". Como conseguimos? Boa pergunta. É um hábito que eu gosto bastante: reunir os amigos no Parque da Redenção para conversar e tomar chimarrão, até queimar o estômago.
Estou nos Estados Unidos há pouco mais de duas semanas, na agradável cidade de Portland, no oeste do país. Eu cheguei e trouxe o verão, mas posso dizer que estou me surpreendendo. Apesar do estado do Oregon ter a fama de ser um local com um clima chuvoso e desagradável, viver aqui está me fazendo gostar do sol e do calor.
Primeiramente, a cidade é cheia de parques, de todos os tipos e tamanhos. E flores. E fontes. E parques. E mais fontes.
O calor daqui é um calor seco, porém agradável: dá vontade de sair por ai com o sol no rosto, admirando o desenho que as nuvens formam no céu; dá vontade de deitar na grama e só levantar quando sol se põe - que, para minha alegria, é tarde pra caramba; dá vontade de não ficar em casa, mesmo com tantos homeworks e houseworks para serem feitos.
O sistema de transporte de Portland é invejável. A cidade tem uma ótima infraestrutura e as bicicletas dominam as ruas. É muito acessível se locomover de um canto a outro, e dificilmente os transportes públicos estão lotados, com pessoas saindo pela janela. Além disso, todos têm ar-condicionado e bancos confortáveis. Já a questão dos odores... Acho que é um assunto a ser tratado a nível mundial.
No momento estou num relacionamento sério com o verão de Portland. Com o clima de Portland. Com os lugares de Portland.
Tenho medo do que vai ser de mim quando for a hora de voltar pra casa: chegar no aeroporto, pegar o aeromóvel até o trem, onde com certeza não terei lugar para sentar e ficarei tentando me equilibrar com o peso de duas malas e aguentar o sutil calor de setembro que te faz querer desesperadamente voltar para junho. Mas tudo tem seu lado bom: já estarei pronta novamente pra roda de chimarrão na Redenção, rodeada dos amigos que eu tanto sinto falta. Nesse caso, o calor infernal desempenha habilmente seu papel de unir as pessoas que compartilham das mesmas opiniões sobre o nosso verão, as que mesmo assim não deixam de se banhar nas águas marrons de Cidreira depois de horas dentro de um ônibus capenga.

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