quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Ciumegoista

      Ciúme é algo bonito quando observado com certa distância. Ciúme quando nos persegue vira algo dos infernos, uma supressão da nossa liberdade e um grito de insegurança. Ciúme quando acompanhado de egoísmo costuma ser fatal: mata aos poucos, lentamente, todo e qualquer relacionamento.
     Possuo inúmeros, incontáveis defeitos. Entre eles está  o ciúme egoísta que não permite dividir aqueles que amo. Não aceito a ideia de que meus amigos possuem outros amigos. Não aguento a ideia de que, nesse momento, estou aqui, ouvindo Maria Gadú, sozinha nesse quarto-cozinha, enquanto provavelmente meus amigos jogam conversa fora e saboreiam comida brasileira.
Não suporto saber que nos churrascos de domingo não estou lá pra ajudar minha mãe a fazer a maionese, ou  lamber a panela com o chocolate que ela fez para a torta de bolacha, mas minhas irmãs sim.
       Dói, uma dor fina e continua, como um espinho cravado no dedo, imaginar que a vida segue sem a minha presença. O sol continua nascendo por volta das seis e se pondo após as cinco de tarde. É inverno no Brasil, e meus cachorros brincam no tapete da sala como se nada estivesse fora do lugar. Minha mãe continua preparando o chimarrão das oito horas. Meu pai está viajando.
Não falo com as minhas irmãs faz um bocado de tempo, e está tudo bem. Cada uma no seu caos.
Não bastasse essa obsessão em ser onipresente, tenho ciúme de quem escreve, de quem canta, de quem dança, de quem tem covinhas quando sorri. Os Deuses me deram essas características e elas são minhas. Não faço nenhuma dessas coisas com primor, que fique claro; mas outra fêmea no meu circulo de amizades com esses predicados é  ameaçador: dá uma certa sensação de impotência, não sei explicar.
       Gosto de ser única, de ser lembrada, de estar presente. Se não fisicamente, em pensamento. Quero ser aquele sopro leve confundido como a brisa que anuncia a chegada do inverno. Quero ser traduzida em canção, quero provocar arrepios em que me ouve.
Esse ciúme egoísta é infantil, eu sei. Tento escondê-lo no fundo da caixinha que eu guardo no meu porão interno, mas às vezes nosso porão precisa de uma faxina, senão morremos sufocados por sentimentos velhos e inúteis. E é aí então que meu ciúme-egoísta dá o ar da graça.
      Estou tentando lidar com isso da melhor forma possível, tentando aceitar que eu preciso ser menos (bem menos) ególatra, afinal, o mundo não gira em torno dos meus caprichos.
 
      Às vezes acho que sei lidar. Às vezes me distancio de mim mesma, observo minha obsessão, meu egoísmo fatal. Às vezes apenas brinco com as situações, engulo em seco, e bola pra frente. Será?
 
      A vida segue, sim, seu curso normal. Minha família vive. Meus amigos vivem. Amigos de amigos saem com outros amigos, que por coincidência são meus amigos também. Meus cachorros talvez sintam meu cheiro próximo ao meu quarto, e lembrem um pouquinho de mim; ou talvez minha mãe tenha lavado minhas roupas, meus lençóis, meus cobertores, e o que reste na casa seja apenas um agradável aroma de amaciante. Tanto faz.
 
"Não valem dramáticos efeitos
Mas o que está depois
Não vamos fuçar nossos defeitos
Cravar sobre o peito as unhas do rancor
Lutemos mas só pelo direito
Ao nosso estranho amor"
 
Maria Gadú, Caetaneando nos meus ouvidos, me faz colocar um ponto final nesse autoflagelamento: parei de fuçar os meus defeitos.
 
Vou ligar pra minha mãe e perguntar logo da falta que estou fazendo.
 

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